Ninguém faria isso melhor do que Céline Dion. Estrela internacional, coberta de riquezas e cercada de adulação, Céline Dion teve uma infância luminosa, sem feridas profundas, grandes tristezas ou restrições que turvassem sua felicidade. Ainda assim, ela demonstra empatia extraordinária, um carisma que funciona muitíssimo bem com crianças e muita compaixão pelo sofrimento das mais novinhas. Céline as conhece bem e lhes fez várias visitas ao longo dos anos. Sabe falar sua linguagem, divertir-se com elas, fazê-las rir e tornar-se sua amiga.
12 heróis entre nós: um encontro inesquecível com Céline
Por isso pedimos a ela que se encontrasse com essas 12 crianças, uma a uma, e conquistasse sua confiança. Todos os encontros foram marcados para o mesmo dia, 16 de julho de 2008, num grande hotel em Montreal, no Canadá. Vindas de diferentes partes do mundo, as crianças com as quais ela se reuniria tinham sido cruelmente marcadas pela vida. Muitas ficaram gravemente incapacitadas e passaram por problemas que a maioria de nós não suportaria. Com impressionante força de vontade, um empurrãozinho e, às vezes, o auxílio de bons samaritanos, passaram pelo sofrimento e conseguiram superá-lo. Eram 12 vítimas, mas, o importante, é que eram também 12 heróis, convidados a ir a Montreal pela organização Réseau Familles d’aujourd’hui (Rede Famílias de Hoje).
Um dos objetivos da visita era produzir um livro baseado em suas histórias. A renda de 12 héros parmi nous: une rencontre inoubliable avec Céline (12 heróis entre nós: um encontro inesquecível com Céline) destina-se a várias instituições de caridade dedicadas a crianças e com as quais a cantora também está envolvida.
A maioria das histórias foi tema de extensas reportagens publicadas por Seleções nos últimos anos. Os leitores conheceram detalhes das tragédias por que essas crianças passaram, assim como a força e a coragem que demonstraram para sobreviver. Doze escritores foram convidados a redigir um texto de ficção livremente inspirado no caso de cada uma delas.
A Réseau Familles d’aujourd’hui, fundada e dirigida por Martine Huot, ex-bailarina, mãe de quatro filhos e organizadora de eventos que também se dedica a levantar recursos para fins humanitários, queria homenagear a coragem dessas crianças ao convidá-las para ir a Montreal e dedicar-lhes toda a atenção. Com a generosidade de 12 empresários locais, criou-se o Fonds des Petits Héros (Fundo dos Pequenos Heróis) para atingir essa meta. Cada um dos patrocinadores foi solicitado a investir um mínimo de 5 mil dólares na causa.
Eles foram além e contribuíram com mais dinheiro, tempo e energia do que o solicitado. Usando sua rede de contatos, os empresários conseguiram mobilizar até 300 pessoas. As crianças foram recebidas no aeroporto por representantes oficiais de seus países e levadas ao hotel em veículos oficiais. Encontraram os patrocinadores e foram apresentadas aos “cicerones”, crianças da mesma idade que ali estavam para deixá-las mais à vontade. Foram levadas para conhecer Montreal e ganharam vários presentes. Muitas vezes o contato era difícil, por causa da barreira da língua e da cultura que tinha de ser superada.
Mas, naquele dia, Céline Dion teve a tarefa delicada de tirar essas crianças da concha para serem fotografadas por Heidi Hollinger. Em vez de dor e sofrimento, os rostinhos mostrariam a alegria e a satisfação que sentiam pela superação dos problemas, assim como o prazer e a felicidade de estarem vivas, de ter sonhos e planos – tudo apesar das feridas recentes e das deficiências irreversíveis com as quais teriam de conviver. Escondidas bem no fundo dessas meninas e meninos, havia luz, música e magia. A cantora foi em busca dessas qualidades, que ajudariam a dar vida aos textos dos escritores que formariam o grande livro dos pequenos heróis.
Algumas crianças nunca tinham viajado de avião. Outras jamais haviam andado de carro, nem sequer de elevador. Algumas nunca tinham dormido numa cama de verdade nem ficado sozinhas num quarto de hotel, em uma cidade grande. Vinham de muito longe, de alguns lugares distantes, da orla da escuridão. Antes de entrarem na suíte do hotel onde a fotógrafa preparara tudo para a sessão, Martine Huot contou a Céline a história de cada criança com quem ela passaria vinte minutos: nome, idade, de onde vinham, o que lhes acontecera, quando e como acontecera, que iniciativas foram tomadas e que milagres ocorreram para ajudá-las a escapar do destino ao qual tinham sido lançadas ao nascer ou que lhes coubera mais tarde, por acidente ou infortúnio.
A cantora ouviu com atenção. Fez algumas perguntas, sempre querendo saber mais. Essas crianças, Elisabeta, Donald, Junior, Fanni, Chris, têm passatempos? Sonhos? Se os pais não eram mais vivos, quem tomava conta delas? Gostam de cães ou de gatos, ou de ambos, ou de ursos pandas, carros ou bonecas? Têm amigos? Irmãos e irmãs? Que tipo de música escutam? Que língua falam?
Cada vez que uma criança entrava na sala com os pais ou os responsáveis, o patrocinador, o cicerone e, às vezes, um intérprete, Céline aproximava-se, pegava-a pela mão e agradecia por ter vindo. As crianças se espantavam por ela saber tanta coisa a seu respeito, como o nome do gato, a cor predileta, o número de vezes que tinham tomado anestesia... Depois de estabelecer rapidamente uma conexão, Céline levava cada criança até o estúdio, sob os refletores e o olhar dos assistentes.
Céline Dion tem o dom natural de lidar com crianças. No início de 2008, visitou o Soweto, na África do Sul, onde passou um dia inteiro brincando com as crianças desfavorecidas de lá. Os leitores já conhecem seu envolvimento com a causa da fibrose cística e com a Fundação Hospital Sainte-Justine, de Montreal. Como muitos outros filantropos famosos, ela poderia ter se limitado a levantar recursos ou fazer algumas doações, mas considera igualmente, ou mais, importante conhecer em pessoa as crianças doentes ou feridas. Acredita sinceramente que só por meio desse tipo de encontro e troca entre corações é possível restaurar a esperança das crianças e permitir-lhes se curar e ter vontade de continuar vivendo.
Em várias ocasiões, muita gente no estúdio ficou com lágrimas nos olhos. Céline não derramou uma lágrima. Em crianças como Junior, Fanni e Martunis, ela não viu a pele terrivelmente queimada, os membros atrofiados, apreensão nem desespero, e sim força, coragem e muita vontade de viver.
“Não estávamos lá para chorar”, disse, “mas para homenagear aqueles heróis e comemorar suas conquistas.”
Em todos os casos ela conseguiu estabelecer uma relação verdadeira com a criança, mesmo quando nada era dito entre elas. Martunis, por exemplo, de uma ilha indonésia arrasada pelo tsunami que também tirou a vida de sua mãe, não entende nada das línguas ocidentais. Não sabia em que país estava, muito menos quem era Céline Dion, e não parecia entender por que era alvo de tanta atenção. Não sorria. Para quem ou o que sorriria, nesse lugar onde tudo era um mistério absoluto?
Em menos de dois minutos, e sem dizer palavra, Céline conseguiu deixá-lo à vontade, fazendo com que entendesse que ela achava seus olhos bonitos, que ele era muito simpático e que sua velha camisa de um time de futebol português era maravilhosa. E, quando ela viu o sorriso surgir em seu rosto, pegou as mãos dele, e o menino descansou a cabeça no ombro dela. Por um instante, diante dos olhos de todos, eram as duas únicas pessoas do mundo, unidas com toda a força. Quando Martunis foi embora, ficou fácil ver, junto de seu sorriso, a força e a determinação desse menininho que, jogado numa praia deserta pelo tsunami, sobreviveu sozinho durante dezenove dias.
Donald, que perdera a mãe e o cãozinho no furacão Katrina, estava se exibindo. Céline imitou seu andar desconjuntado. Ele caiu na gargalhada e esboçou uns passos de dança, que ela também imitou. Todas as crianças acabaram rindo ou ficando totalmente encantadas. Até Miles, um menino autista de 4 anos, superexcitado e agitadíssimo, acalmou-se instantaneamente quando se viu nos braços de Céline. Junior, cujas pernas foram amputadas e cujos braços são aleijados, contou a Céline o seu sonho: ter um terno de verdade, como os outros homens, com gravata e lapela sedosa. Donald trouxe seus desenhos para mostrar a Céline, e os dois os examinaram juntos. Mary deu-lhe uma pulseirinha, que Céline usaria em seu próximo espetáculo.
Enquanto as câmeras clicavam, Céline criou um parquinho particular para ela e seus amiguinhos, onde não havia tragédia nem dor e onde podiam ser apenas crianças. Naquele dia, em 12 encontros que demonstraram o que a humanidade tem de melhor, a famosa Céline Dion se transformou numa criança risonha e feliz, encantada ao se ver em companhia de verdadeiras celebridades
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